Voluntariado que não decola

Rosana Fontes é a única parceira voluntária da Comurg que ajuda na manutenção de espaços públicos da Capital. Lei que visa regulamentar esse tipo de parceria existe há dois anos, mas não saiu do papel

Postado em: 22-05-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Rosana Fontes é a única parceira voluntária da Comurg que ajuda na manutenção de espaços públicos da Capital. Lei que visa regulamentar esse tipo de parceria existe há dois anos, mas não saiu do papel

Igor Caldas* 

Um bom lugar se constrói com humildade. Com este sentimento, a aposentada Rosana Fontes cuida da praça Tubal de Castro, no Setor Vila União, há oito anos. Ela faz o plantio e irrigação de mudas e ajuda a recolher o lixo diariamente. Em 2017, foi aprovada pela Câmara uma lei que institui o programa “Adote uma Praça”para que pessoas físicas e jurídicas cooperem com a administração municipal e cuidem de espaços públicos em troca de publicidade. O projeto, que depende de regulamentação, ainda não saiu do papel.

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Por enquanto, Rosana é a única voluntária que tem parceria com a Companhia Urbanização de Goiânia (Comurg) que realiza esse serviço comunitário, mas dispensa publicidade. A contrapartida do seu trabalho vem em forma de gratificação pessoal e a melhora na saúde que o cuidado com as plantas proporcionou.

“Eu tive hérnia de disco e andava arrastando uma das pernas. O médico falou que logo eu não andaria mais. Mas minha superação me curou. Agora estou aqui todos os dias cuidando das nossas plantinhas”, ela ainda afirma que tomava de oito a dez remédios diariamente para dores na coluna e hoje só usa um medicamento para controle da diabetes.

A semente desse trabalho exemplar realizado pela aposentada se iniciou com uma história triste. “Eu comecei o trabalho quando teve a morte de minha cachorrinha Pitoca e plantei um girassol aqui para dar luz à alminha dela. De repente, eu estava plantando luzes para todo mundo”. Ela ainda afirma que conversou com um servidor que fazia o trabalho no local e essa aproximação foi a ponte para se tornar voluntária na parceria com a Comurg. Segundo Rosana, além de ser voluntária da praça, ela também realiza o mesmo trabalho no 7º Batalhão da Polícia Militar.

Ela tem orgulho de ser a única parceira da Comurg que trabalha dessa forma. Segundo Rosana, faltam avanços culturais para que floresça a consciência comunitária de mais cidadãos. “As pessoas são muito cabeça dura. Elas acham que por que pagam impostos não têm que ajudar a cuidar dos espaços públicos. Não reconhecem o benefício que é ajudar a manter um espaço que é nosso”.

Segundo a aposentada, o ambiente da praça melhorou muito após seu trabalho. “Ninguém gosta de ser voluntário de nada. Muita gente me questiona e diz que voluntariado é só em hospital. O ser humano é muito egoísta e acha que não deve contribuir para preservação do que é nosso. Antes, aqui havia tráfico de drogas. O mato alto era até usado como depósito de coisas roubadas. Hoje, está bonito e todo mundo quer tirar uma selfie”. A parceira da Comurg afirma que as pessoas não percebem que os avanços do lugar são resultado do voluntariado.   

Rosana acha que a falta de consciência se reflete na ação de vândalos que furtam mudas da praça e fazem mau uso do espaço público, jogando lixo no chão e usando as plantas como banheiros. “Vou dar o exemplo de uma muda de jabuticabeira que havíamos plantado aqui. Ela foi furtada. A pessoa prefere roubar o que é de todo mundo e plantar na sua própria casa ao invés de aproveitar os frutos que a árvore poderia proporcionar para todos no local público. É muito egoísmo”, lamenta Rosana.

Preconceito 

A voluntária ainda afirma sofrer preconceito pelos vizinhos pelo mesmo motivo. Ela só trabalha com os fones de ouvido em volume alto por que já cansou de escutar desaforos de pessoas que se incomodam com o trabalho voluntário. “Eles ficam perguntando se eu estou puxando saco da prefeitura e insistem em dizer o que é que eu devo plantar na praça. O mais absurdo é falar que a água usada para irrigação das plantas é desperdício, mas só olham pro próprio umbigo quando lavam carros e calçadas com a mangueira”, denuncia.

Já houve atritos com os estabelecimentos comerciais que funcionam no local. Rosana afirma que já recolheu lixo gerado pelo pit dog da praça espalhado no chão e colocou no balcão do estabelecimento. “O dono me perguntou por que eu havia feito isso. Eu respondi que eu estava devolvendo o lixo que os clientes dele jogaram no chão e que não foi recolhido pelos funcionários que ele contratou. Às vezes a gente tem uns atritos, mas ele é meu amigo desde muito tempo”. 

A aposentada é viúva e além de ajudar na manutenção das plantas, também cuida da sua mãe que está doente. Ela mora ao lado da praça há 50 anos e se emociona com o trabalho que vem realizando no local. Rosana diz que encontra uma presença divina em meio ao crescimento das plantas e flores do local. “Cada flor dessa que sai, me encanto. É o encanto com a natureza, com Deus. Nós não damos conta de fazer uma flor assim. Você pode usar a tinta que for, que não vai conseguir essa ternura. Eu vejo Deus em cada canto dessa praça”. 

Projeto “Adote uma Praça” deve ser lançado em junho deste ano 

Projeto de lei que facilita a realização de parcerias da sociedade civil com a administração pública para urbanização, cuidado e manutenção de praças públicas e de esportes de Goiânia foi aprovado em segunda votação na Câmara Municipal há cerca de dois anos. No ano passado, o Paço elaborou a minuta do projeto de lei que institui o programa. No entanto, as parcerias público-privadas com a prefeitura ainda não estão disponíveis.

A ideia é que pessoas físicas ou jurídicas possam assinar um termo de cooperação com a administração em troca de ter seu nome ou marca veiculados em placas distribuídas a cada 1.500 metros quadrados da área escolhida e em 20% do mobiliário urbano instalado no espaço.

O PL estabelece que quaisquer entidades da sociedade civil, associações de moradores, ONGs, sindicatos, sociedades de amigos de bairros e pessoas jurídicas legalmente constituídas e cadastradas no município vão ter o direito de participar do programa Adote uma Praça. Para isso, será necessária a assinatura de contrato de parceria público-privada com a administração da Capital.

O parceiro do município que vier a participar do Programa Adote uma Praça deverá zelar pela manutenção, conservação, recuperação da praça que adotar, bem como pelo acompanhamento de todo o projeto e elaborar a execução dos trabalhos de arborização, incumbindo ao Poder Executivo Municipal com cessão de sementes e mudas de árvores a serem plantadas no local adotado.

Segundo o titular da pasta da Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh), Henrique Alves, o programa deverá ser lançado até o início do mês de junho. Ele ainda afirma que há muitas empresas interessadas em realizar a parceria, mas o projeto está em fase de regulamentação.

Após o lançamento do programa, a Seplanh deverá divulgar uma relação com todos os locais que estarão disponíveis para a adoção. (*Especial para O Hoje)  

Iniciativa semelhante com pontos de ônibus começa a ser discutida 

Um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal de Goiânia tem como objetivo garantir a preservação dos pontos de ônibus da Capital. A ideia é criar um programa chamado “Adote um ponto de ônibus”, no qual as pessoas ou empresas interessadas podem instalar, manter e recuperar os pontos. 

Quem se interessar, em troca, pode instalar painéis com publicidade. Tanto a mensagem, quanto a forma como ele será fixado devem ser aprovados pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação. Aqueles que “adotarem” os pontos de ônibus ficam isentos do pagamento de taxas de publicidade e propaganda, bem como para uso e ocupação do solo.

Se o projeto for aprovado, a prefeitura terá o direito de fiscalizar todo o processo de instalação, manutenção e conservação dos pontos. Ela também pode recomendar que as empresas ou pessoas responsáveis tomem as providências quando necessário. À administração municipal vai caber também colocar a disposição dos interessados o rol dos locais e modelos do abrigo.

O projeto é uma iniciativa da vereadora Léia Klebia (PSC).  Segundo ela, o projeto vai beneficiar a população, ao mesmo tempo em que desonera a prefeitura, garantindo economia aos cofres públicos. “A presente matéria contribuíra para o desenvolvimento do município, gerando economia aos cofres públicos e proporcionando resguardo aos usuários do transporte coletivo”.

Objetivo

O projeto tem como objetivo criar uma parceria entre Poder Público Municipal e pessoas jurídicas ou físicas, com a finalidade de instalar, ficar responsável pela manutenção e recuperação de abrigos nos pontos de parada, oferecendo conforto e segurança aos usuários do transporte coletivo de Goiânia. “Entendemos como abrigos as instalações de estruturas de alvenaria com bancos, coletor de lixo, espaço para as pessoas com deficiência que utilizam cadeira de rodas, espaço para a instalação de placas informativas de horários e itinerários e coberturas nos padrões”. 

Projetos semelhantes já existem em outros locais. Em Cuiabá, no Mato Grosso, os pontos são construídos a partir do reaproveitamento de contêineres, onde a instalação e manutenção são feitas a partir de parceria com a iniciativa privada, ou seja, a implantação das paradas é feita com recursos de empresas autorizadas a explorar o espaço com publicidade. (Isabela Martins é estagiária do Jornal O Hoje sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian).  

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