Em Goiânia, mulheres negras estão na linha de frente na luta contra o aumento da Covid-19

Dados confirmam que a doença mata mais pessoas negras e pobres e os casos disparam na periferia de Goiânia| Foto: Wesley Costa

Postado em: 24-07-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Dados confirmam que a doença mata mais pessoas negras e pobres e os casos disparam na periferia de Goiânia| Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Amanhã será lembrado como o Dia Internacional das Mulheres Negras e Caribenhas, mas para as ativistas negras Sandra Martins e Lúcia Kowal, atuantes na Região Noroeste de Goiânia, o contexto pandêmico da Capital não abre espaços para comemorações. Dados confirmam que a doença causada pelo novo Coronavírus mata mais pessoas negras e pobres no Brasil e os casos de Covid-19 disparam na periferia de Goiânia. Além disso, de acordo com essas mulheres negras, o contexto histórico e político brasileiro representam um retrocesso na luta social.

“Pela situação atual do índice de contaminação tão alto na periferia tínhamos que ter drive-thru de testagem em massa nessas regiões porque estamos perdendo pessoas muito importantes”. O período entre os dias 14 e 21 de julho, os casos confirmados do novo Coronavírus cresceram 8,1% na capital. De acordo com dados da plataforma Covid-19 da Universidade Federal de Goiás (UFG), 9 dos  15 bairros que tiveram o aumento da doença maior do que a Capital estão na periferia.

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Lúcia e Sandra fazem parte da rede de ONGs que compõem a Associação Comunitária Raízes da Noroeste que promovem assistência social em forma de cultura, esporte, meio ambiente e, nas palavras de Sandra, “tudo que o Estado deixou de fazer na Região Noroeste”. Ela é presidente do Coletivo de Mulheres Negras Samba Crioula e desde o início da pandemia, se uniu a presidente da Associação, Lúcia Koval, em busca de parcerias para levar auxílio às famílias afligidas pela crise causada pelo novo Coronavírus.

Juntas, elas cadastraram cerca de 560 famílias para receberem cestas básicas, mas as doações arrecadadas só atendem as 120 mais vulneráveis. “Fizemos um folder e começamos a mandar nas redes sociais e na primeira semana conseguimos R$ 2,8 mil reais”. No entanto, o dinheiro não foi o suficiente para beneficiar todas as famílias cadastradas

Sandra explica que foi difícil filtrar quais famílias eram mais necessitadas porque, na realidade todas elas precisam muito de ajuda. Elas contaram com a ajuda do grupo de Defensoras Populares e da agente comunitária de saúde, Maria Euripa que acompanham de perto o cotidiano das moradoras do bairro. “Essas mulheres que acabam ajudando a selecionar quem realmente está em condições de extrema vulnerabilidade”, afirma.

Ela diz que o que motivou a união da luta pela arrecadação das cestas básicas foi o caso de uma vizinha que estava alimentando o filho com água e fubá durante três dias por não ter condições de comprar alimentos. “O ser humano que não se dispõe a ajudar uma pessoa que está passando fome do outro lado do muro da sua casa, não tem serventia para o mundo”, declara.

Lúcia Kowal diz que, no início da pandemia, estavam se unindo para ajudar nas medidas preventivas da doença. “Estávamos juntando cestas básicas para auxiliar o isolamento social e tentar fazer com que a doença não se espalhasse na região, mas o momento agora é muito mais urgente”. Ela lamenta desconhecer alguma família da Vila Mutirão que não teve nenhum caso de Covid-19 confirmado. “Estamos perdendo muitos amigos, muita gente, é triste demais”, conclui. 

 Preconceito e violência são marca comum na periferia 

A presidente da Associação Comunitária Raízes da Noroeste, Lúcia Kowal, é uma das pioneiras da Vila Mutirão. “Eu cheguei aqui em 1985 e posso dizer que 99% das famílias que vieram morar nesse bairro eram compostas de mães solteiras, negras em sua maioria”, relata. Ao apresentar a história da luta das mulheres na composição do bairro, Lúcia denuncia. “Era muita violência contra elas. Diariamente eu escutava brigas e espancamentos”, conta.

Quase 30 anos depois, Lúcia diz que a situação da violência no bairro se transformou. “Hoje, com a delegacia da mulher e a luta pelos nossos direitos, os casos parecem ter diminuído, ou acontecem de forma mais oculta. A maior violência contra o povo negro que eu observo agora é contra o menor de idade”, denuncia. Outra marca comum na vida periférica apontada por Lúcia é o preconceito. “Aqui no bairro, por ser de maioria negra o preconceito não é tão forte, mas é só pisar para fora daqui que os casos de racismo se multiplicam”.

Sandra Martins é bacharel em assistência social e segunda secretária do Conselho Estadual da Mulher e sua história não é diferente da maioria do bairro. Ela sente na pele as cicatrizes do racismo. “O negro do Brasil descobre que é diferente da pior forma possível: Pelo preconceito”, lamenta. A ativista afirma que o Poder Público não faz ações ligadas aos direitos da população negra na periferia.

“O contexto político atual representa um retrocesso no que conseguimos conquistar em relação aos direitos humanos, sobretudo das mulheres negras”, lamenta Sandra. Ela ainda diz que nos governos passados, a conquista dos direitos de negros, quilombolas e indígenas tiveram uma evolução grande, mas foi freada de forma brusca. “Essa é a importância de fazer esse trabalho de base que estamos fazendo aqui. Nós precisamos fazer por nós mesmos porque ninguém vai fazer pela gente”, conclui. (Especial para O Hoje) 

Ajude na assistência para as 560 famílias cadastradas 

Doe roupas e sapatos, produtos de higiene, alimentos não perecíveis, fraldas (infantil e geriátrica)

Endereço: Avenida do Povo Qd 14 Lt-08 Jardim Curitiba 3

Doações em dinheiro: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Agência: 0012; Operação: 13, Conta: 00032915-8, Sandra Regina Martins Gomes

Central Única das Favelas-GO, FIEG-GO, União Goyazes, e Associação Goiana de Defensores Públicos são parceiros. 

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