Cervejas artesanais brasileiras obtêm reconhecimento no exterior

Em 2016, uma das primeiras cervejarias brasileiras a apostar na fórmula, a Blumenau, faturou uma medalha de prata no Prêmio Internacional de Cerveja da Austrália

Postado em: 11-08-2018 às 16h55
Por: Márcio Souza
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Em 2016, uma das primeiras cervejarias brasileiras a apostar na fórmula, a Blumenau, faturou uma medalha de prata no Prêmio Internacional de Cerveja da Austrália

Cervejaria artesanal

O sucesso
internacional de um estilo de cerveja cuja fórmula foi desenvolvida no Brasil é
responsável pelo bom momento vivido pelas cervejarias artesanais no país.
Desenvolvida por produtores de Santa Catarina a partir de um dos mais
tradicionais estilos da Alemanha, a Berliner Weisse, a chamada Catharina Sour é
a primeira receita tipicamente brasileira incluída no catálogo da Beer Judge
Certification Program (BJPC).

Considerada uma
das principais organizações mundiais de certificação de juízes cervejeiros, a
BJPC publica um guia de estilos da bebida que serve de parâmetro para os
produtores caseiros, artesanais e industriais. Com o reconhecimento da
Catharina Sour, fabricantes de todo o mundo poderão inscrever seus produtos em
concursos que julgam a qualidade da bebida. Em 2016, uma das primeiras
cervejarias brasileiras a apostar na fórmula, a Blumenau, faturou uma medalha
de prata no Prêmio Internacional de Cerveja da Austrália, uma das mais importantes
competições da atualidade.

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“Temos registro
de mais de 50 rótulos batizados com esse estilo. Já há produtores de Catharina
Sour no Canadá, nos Estados Unidos, na Argentina”, disse à Agência Brasil o
presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo
Lapolli, explicando que, preservadas as principais características
físico-químicas e sensoriais da fórmula original, cada produtor tem liberdade
para “brincar e experimentar” novas misturas, o que favorece a diversidade de
sabores. Tanto que já há Catharina Sour com adição de maçã, jabuticaba,
pêssego, manga, entre outras frutas.

Levemente ácida
e com acentuado sabor de frutas que pode lembrar um espumante, a Catharina Sour
começou a ser testada comercialmente entre os anos de 2014 e 2016, quando as
microcervejarias e importadoras já se destacavam por conquistar crescente
espaço no mercado cervejeiro nacional. Esse mercado, segundo a Associação
Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), só fica atrás da China e dos
Estados Unidos quando considerada a produção das grandes fabricantes
brasileiras. De acordo com a entidade, a produção nacional total já ultrapassa
os 14,1 bilhões de litros anuais.

O segmento das
chamadas cervejas especiais (artesanais, importadas e `premium´) cresceu em
consequência dos bons resultados da economia brasileira em anos recentes,
principalmente entre consumidores das classes A e B, que, conforme lembra
Lapolli, experimentaram uma mudança no padrão de consumo que favoreceu diversos
segmentos. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)
estima que, entre 2012 e 2014, as cervejas especiais ampliaram sua fatia de
mercado de 8% para 11%.

Cervejarias

O número de
cervejarias artesanais em atividade é incerto. Responsável por autorizar o
funcionamento desses empreendimentos, o Ministério da Agricultura não faz
distinção entre o porte das empresas. No fim de 2017, havia 679 cervejarias
registradas no ministério – número 37,7% superior aos 493 registros de 2016.

“No Brasil, o
número de cervejarias cresceu bastante e continua crescendo, apesar da crise.
Claro que, em um cenário mais favorável, poderíamos ter alcançado resultados
ainda melhores”, comentou Lapolli, acrescentando que o desafio do segmento é
tentar “democratizar” o consumo do produto artesanal. O que, segundo ele,
demanda mais investimentos e um olhar diferenciado por parte do Poder Público.

“Infelizmente,
nossos preços ainda não são acessíveis a todos os consumidores. Principalmente
devido à falta de escala da produção artesanal e ao desconhecimento por parte
de nosso público potencial. Mas, principalmente, devido às regras tributárias
que não diferenciam um grande fabricante e um produtor artesanal industrial,
cobrando de ambos os mesmos cerca de 50% em tributos”, disse o presidente da
Abracerva. A entidade tem atuado junto aos poderes Executivo e Legislativo,
tentando obter uma atenção especial do Poder Público.

“Temos alguns
projetos tramitando no Congresso Nacional que visam à redução da carga
tributária. E até hoje não há uma regulamentação, um conceito legal sobre o que
seja a produção artesanal. Uma cervejaria pequena, que produza 3 mil litros
mensais, tem que estar inscrita no Ministério da Agricultura e cumpre as mesmas
exigências de uma fábrica que produza 30 milhões de litros mensais”,
acrescentou o presidente da Abracerva.

De acordo com
Lapolli, embora só detenha 1% do mercado consumidor, as cervejarias artesanais
empregam cerca de 10% da mão de obra do setor. Já a CervBrasil contabiliza que,
incluídas as grandes fabricantes da bebida, o setor cervejeiro gera R$ 21
bilhões de impostos anuais, respondendo por 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB)
e por cerca de 100 mil empregos diretos.

Produtores

Porteiro de um
condomínio de Santos (SP), Alcemir Emmanuel e o jornalista e produtor musical
Eugênio Martins Júnior decidiram aprender a fazer sua própria cerveja ao
perceber que as marcas populares já não os satisfazia. Com o tempo, perceberam
que a receita agradava os amigos. Enxergaram uma oportunidade e decidiram
arriscar. Sem recursos financeiros, obtiveram um investimento de R$ 12 mil de
uma startup e registraram a marca Cais, nome alusivo ao Porto de Santos.

“Éramos,
basicamente, dois caras cansados de beber cerveja ruim. Quando dei por mim,
tinha virado uma espécie de caçador de cervejas artesanais nacionais. Ia a
vários eventos, o que saía caro. Como nos eventos sempre tem estandes com
palestras e cursos, acabou sendo um caminho meio natural aprender a fazer minha
própria bebida”, contou Emmanuel à Agência Brasil. Hoje, produzem 600 litros
por lote encomendado a outra microcervejaria e estão presentes em 20
estabelecimentos da Baixada Santista. “Todo o dinheiro que entra nós reinvestimos.
Ainda não dá para viver da cerveja, mas espero que, em breve, isso se torne
possível”.

O servidor
público brasiliense Fábio Bakker também não consegue viver exclusivamente do
negócio aberto com outros dois amigos, mas afirma já ter outras compensações.
“A atividade ainda não me sustenta, mas quando me perguntam o que eu faço, me
identifico como cervejeiro. Porque isso é algo que faço por gosto, que está
associado à produção artesanal, à valorização dos produtos, sabores e da
cultura local”, declarou Bakker, que, por formação, é engenheiro florestal.

Para lançar a
marca Criolina (nome de uma conhecida festa de Brasília, produzida por um dos
sócios) em 2015, Bakker e os amigos investiram cerca de R$ 150 mil. Também
começaram como “ciganos”, ou seja, terceirizando a produção para outros
microfabricantes. Hoje, estão em 43 pontos de venda do Distrito Federal, além
de Goiânia (GO), Palmas (TO), além de uma rede de supermercados. Com o sucesso,
planejam investir mais R$ 800 mil para equipar o galpão onde já realizam
eventos com todo o equipamento necessário para produzir em parceria com outras
marcas. Os amigos já empregam sete pessoas.

“Temos ambição
de ampliar nossa produção, fazer parcerias com outras fabricantes ciganas”,
anunciou Bakker, garantindo que a recente crise econômica não chegou a
prejudicar os planos da Criolina. “Há sustos, lógico, mas isso é comum a todo
tipo de empreendimento. O mercado das cervejas especiais ainda é incipiente e
tem um enorme potencial de crescimento. E pode se aproveitar dessa mudança de
padrão de consumo, da curiosidade de uma parcela dos consumidores que, hoje,
está mais atenta à procedência daquilo que consome. A cerveja artesanal rompe
com a ideia do globalismo e valoriza o sabor local”, acrescentou o cervejeiro.

 (Agência Brasil)

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