Governo torrou trilhões com juros, mas não pode gastar com mais pobres

Juros consumiram cerca de 6% de todas as riquezas produzidas no Brasil à cada ano - Foto: Reprodução

Postado em: 20-10-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Juros consumiram cerca de 6% de todas as riquezas produzidas no Brasil à cada ano - Foto: Reprodução

Lauro Veiga 

O
terrorismo inflacionário continua a transitar desavergonhadamente pelo
noticiário econômico, sustentado apenas pela ideologia predominante nos
mercados, segundo a qual, quando os gastos crescem para atender a demandas dos
mais pobres e vulneráveis, a economia tende a embicar fatalmente para o
desastre. Claro, enquanto a conta dos juros torrava centenas de bilhões de
reais todos os anos, drenando recursos que poderiam ser alocados em setores
mais essenciais, a cantilena dos mercados era bem diversa – de onde se
depreende que o “problema” não está precisamente no crescimento das despesas.
Se estas crescem para atender ao mundo dos rentistas e aos interesses do setor
financeiro, verdadeiros donos do dinheiro, então isto parece não ser um
problema real.

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Mas
observem, caros e raros leitoras e leitores, em menos de seis anos, entre
janeiro de 2015 e agosto deste ano, os juros consumiram qualquer coisa ao redor
de R$ 2,270 trilhões (é assim mesmo, trilhões), o que correspondeu, em média, a
algo em torno de 6,0% de todas as riquezas produzidas no País a cada ano. Essa
montanha de dinheiro foi responsável por mais de dois terços do déficit nominal
acumulado no período por todo o setor público, somando as contas da União, dos
governos estaduais e dos municípios.

O
rombo, que inclui todas as despesas públicas, inclusive com o pagamento de
juros, descontadas das receitas totais, somou R$ 3,389 trilhões naquele mesmo
período, aproximando-se de 9,0% do Produto Interno Bruto (PIB), na média anual.
O chamado déficit primário, que deixa de contabilizar o gasto com juros, ficou
em algo abaixo de R$ 1,120 trilhão (2,97% do PIB), certamente, um monte de
grana, igualmente, mas equivalente a um terço do rombo nominal.

Outras
urgências

A
pandemia levou o Congresso a autorizar gastos de R$ 587,49 bilhões neste ano,
para socorrer empresas e famílias mais vulneráveis e cobrir despesas crescentes
na área da saúde. Desse total, perto de 77,7% já haviam sido pagos até
sexta-feira, dia 16, somando quase R$ 456,32 bilhões. E o mundo virá abaixo se,
já em 2021, o governo não providenciar cortes radicais de despesas, atingindo
mesmo aqueles gastos de caráter obrigatório (educação e saúde, por exemplo),
para reduzir o déficit primário e conter o avanço da dívida pública. O preço a
pagar, inevitável, na cartilha dos mercados, será o descontrole inflacionário,
o retorno aos anos de escalada diária dos preços. Como visto, não havia essa
urgência quando a dívida crescia puxada pelos gastos trilionários com juros.

Balanço

·  Objetivamente,
uma disparada eventual das taxas de inflação seria de fato uma ameaça real?
Como já havia sido anotado neste espaço (29.09.20), as maiores pressões de alta
sobre os preços estavam concentradas no mercado atacadista e vinham sendo
moderadas nas semanas mais recentes. Ainda assim, as empresas enfrentavam
nítida dificuldade para repassar os aumentos de custos aos preços finais
cobrados do consumidor.

·  
Nos
dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV),
enquanto o índice de preços no atacado acumulava alta de 24,39% entre janeiro e
o dia 10 de outubro deste ano, a inflação ao consumidor avançou 2,84%.

·  
Também
calculado pelo Ibre, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) passou a
recuar ao final da primeira quinzena de outubro, saindo de 1,18% nas quatro semanas
terminadas no dia 7 para 1,01% nos 30 dias encerrados na quinta-feira passada,
dia 15.

·  
O
detalhe: os preços dos alimentos observaram uma redução apenas marginalna
pressão altista, com a alta média saindo de 2,27% até a primeira semana deste
mês para 2,11%. Houve desaceleração ou estabilidade para todos os demais grupos
de gastos, o que está longe de caracterizar uma escalada inflacionária.

·  
A
maior pressão continuou no grupo “educação, leitura e recreação”, que havia
anotado salto de 5,47% na primeira semana do mês, recuando para 4,86% na semana
seguinte (na verdade, o levantamento sempre considera intervalos de quatro
semanas, informando assim a taxa mensal de variação dos preços).

·  
Naquele
grupo, o principal fator de alta tem sido os preços das passagens aéreas, que
historicamente apresentam movimentos de alta volatilidade. Agora, depois de
perdas históricas, as companhias aéreas tentam recompor parte das perdas com a
elevação dos preços das passagens num momento de maior liberação das atividades
econômicas. As passagens chegaram a saltar 50,40% nos 30 dias encerrados em 7
de outubro, mas a velocidade de alta cedeu levemente para 45,11% quando
considerado o período entre as duas semanas finais de setembro e a primeira
metade do mês seguinte.

·  
Em
outro indicador, agora aferido pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica
(Fipe), da Universidade de São Paulo, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) na
capital paulista, que tem peso relativo importante no processo de formação de
preços no restante do País, recuou de 1,12% nas quatro semanas de setembro para
1,05% na segundo quadrissemana de outubro, com tímido recuo para o índice de
preços dos alimentos e desaceleração para quase todos os demais grupos de
despesas (com exceção para despesas pessoais, que avançaram de 1,66% para
2,02%).

·  
O
comportamento dos preços dos alimentos nas duas principais economias do globo
indica uma pressão global menor nesta área. Nos Estados Unidos, houve queda de
preços em setembro (no caso, registrou-se uma deflação). Para a China, a alta
de 2,4% registrada em agosto, na comparação com agosto de 2019, cedeu espaço
para uma variação anual de 1,7% em setembro.

 

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