Nem só o dólar explica a alta nos preços dos principais grãos

Exportações cresceram e abastecimento doméstico diminuiu, causando alta nos preços dos produtos - Foto: Reprodução

Postado em: 23-10-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Nem só o dólar explica a alta nos preços dos principais grãos
Exportações cresceram e abastecimento doméstico diminuiu, causando alta nos preços dos produtos - Foto: Reprodução

Lauro Veiga Filho 

O
impacto da desvalorização do real frente ao dólar explica apenas parcialmente a
alta experimentada pelos principais grãos nos últimos meses, indicando a
interferência de outros fatores naqueles mercados, a exemplo das exportações
crescentes e da ausência total de políticas de segurança alimentar, que
poderiam preservar o abastecimento doméstico e evitar pressões mais intensas
sobre os índices de inflação. O milho e o algodão, no entanto, parecem surgir
como exceções. No primeiro caso, porque as exportações mergulharam em queda
neste ano, enquanto o País colhia a maior safra de toda a série histórica. O
algodão, ao contrário, experimenta forte alta nas vendas externas, mas os
preços recebidos pelos produtores acompanharam a uma certa distância a alta das
cotações internacionais, quando convertidas em reais (ou seja, já considerando
a alta do dólar no período).

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As
exportações de milho acumulavam, entre janeiro e setembro deste ano, uma
redução de 29,2% frente ao mesmo período do ano passado, baixando de 28,437
milhões para quase 20,122 milhões toneladas, em torno de 8,315 milhões de
toneladas a menos. A produção brasileira subiu de 100,04 milhões para 102,52
milhões de toneladas, nas estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento e
Preços (Conab), num acréscimo de 2,472 milhões de toneladas (2,5% a mais).
Somados os dois números, o mercado interno deveria receber uma oferta adicional
de 10,787 milhões de toneladas.

Ainda
de acordo com os dados da Conab, o consumo ao longo do ciclo agrícola 2019/20
estava estimado ao redor de 68,663 milhões de toneladas, perto de 3,705 milhões
a mais do que no ano safra 2018/19 (64,958 milhões de toneladas), numa variação
de 5,7%. Em tese, ainda que os dados da Conab considerem o ano agrícola (julho
de um ano a junho do seguinte), a “sobra” de milho no mercado cobriria com
folga todo o aumento projetado para o consumo interno. Os estoques finais de
milho na safra encerrada em junho estavam estimados em 10,430 milhões de
toneladas, o segundo mais baixo desde meados da década, suficiente para atender
ao mercado durante pouco mais de 55 dias.

Acima
do equilíbrio

Os
preços médios recebidos pelos produtores de milho em Lucas do Rio Verde (MT) e
Londrina (PR), conforme a companhia, saltaram 112,8% e 85,7% nos últimos 12
meses, até a segunda semana de outubro. O índice da Esalq para o milho subiu
66,6% no mesmo período. A alta do dólar, que atingiu 35,0% na média em igual intervalo,
e o aumento nos preços do grão na Bolsa de Chicago fizeram as cotações
internacionais subirem em torno de 36,4% (quando calculadas em reais), ou seja,
menos de um terço do salto observado em Mato Grosso. Obviamente, eventual
aquecimento da demanda por milho, internamente, impulsionada pelas exportações
de carnes e pelo uso crescente do cereal na produção de etanol, poderia até dar
alguma sustentação aos preços, que alcançam níveis históricos, aproximando-se
de R$ 56,00 por saca nas principais regiões produtoras, lembrando que o chamado
“preço de equilíbrio”, em Mato Grosso, estaria por volta de R$ 23,00 a saca.

Balanço

·  
Colocado
de outra forma, os preços médios ao produtor estariam numa faixa 2,4 vezes
maior do que o valor mínimo por saca suficiente para equilibrar receitas e
custos. Como os produtores já haviam vendido, desde agosto, mais de 90% da
produção esperada, poucos teriam conseguido alcançar os preços mais altos na
venda de sua produção. Mas o cenário é muito positivo para o campo, já que a
produção foi elevada, a produtividade foi boa e os preços médios igualmente
favoreceram os produtores.

·  
O
grande problema está na pressão crescente sobre os custos da pecuária,
principalmente no caso de frangos e suínos, e dos impactos sobre o custo de vida
das famílias.

·  
As
exportações de algodão em fibra, incluindo os embarques de roupas a base da
pluma, saltaram 48,2% na comparação entre os nove primeiros meses deste ano e o
mesmo período do ano passado, saindo de 831,80 mil para 1,233 milhão de toneladas
(401,1 mil toneladas a mais). A produção registrou variação de 5,5%, o que
representou um acréscimo de 153,0 mil toneladas de pluma.

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A
Conab prevê uma retração de 18,6% no consumo doméstico, para 570,0 mil
toneladas, o que elevaria os estoques finais para 1,930 milhão de toneladas (o
mais alto da série recente, iniciada em 2013/14). Mas a estimativa da companhia
para as exportações supunha uma variação em torno de 19% (diante dos 48%
acumulados até setembro).

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Os
preços pagos aos produtores em Mato Grosso e na Bahia subiram quase 40,0% e em
torno de 32,0%, respectivamente, nos últimos 12 meses até a segunda semana
deste mês. As cotações em Nova York, convertidas em reais, subiram mais
fortemente, com alta acumulada de 44,4%.

·  
O
descasamento entre preços internacionais e domésticos foi mais destacado nos
casos da soja e do arroz. Considerados os preços registrados na Tailândia e nos
Estados Unidos, já considerando o impacto da alta do dólar, o mercado
experimentou avanços em torno de 56% a 58% em 12 meses, sustentados pelas
restrições impostas às exportações pelos principais produtores asiáticos,
incluindo a própria Tailândia, preservando o abastecimento interno. Mas o preço
do arroz saltou 126,0% no Rio Grande do Sul no mesmo intervalo, atingindo R$
102,40 a saca de 50 quilos na segunda semana deste mês.

·  
As
exportações de arroz aumentaram 64,7% até setembro (de 733,27 mil para 1,208
milhão de toneladas, ou seja, 474,66 mil toneladas a mais). A produção
brasileira aumentou em 699,0 mil toneladas, para 11,183 milhões de toneladas.

·  
As
vendas externas de soja aumentaram em 18,408 milhões de toneladas (mais 30,3%)
no acumulado de janeiro e setembro, atingindo 79,179 milhões de toneladas
(63,4% da safra recorde colhida neste ano, na faixa de 124,85 milhões de toneladas).
Os preços aos produtores aumentaram 105,0% em Sorriso, perto de duas vezes mais
do que a alta de 51,8% registrada na Bolsa de Chicago (já considerando a
conversão das cotações em dólar para real).

 

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