Coluna

A inflação negativa e as fantasias que economistas e ministros inventam

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 09 de outubro de 2019

A
inflação oficial de setembro veio ligeiramente negativa em setembro,
contrariando mais uma vez o tal “consenso dos mercados”. Está certo que a
diferença entre as projeções iniciais para o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) e o resultado final, divulgado ontem pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi quase irrelevante desta vez,
já que os agentes do mercado (bancos e consultorias, em última instância)
esperavam, nas previsões mais citadas, uma taxa de 0,03% para o mês. Na
verdade, este é o detalhe menos relevante na história toda.

Com
baixa de 0,04% e três entre nove grupos de despesas acompanhados pelo IBGE com
deflação (quer dizer, com preços em baixa, na média de todos os produtos e
serviços), o IPCA foi o mais baixo para um mês de setembro desde 1998, ou seja,
há 21 anos. A coincidência entre os dois períodos está precisamente no baixo crescimento
da economia, então como agora, embora por motivos diversos.


pouco mais de duas décadas, vítima de uma política tresloucada de congelamento
(virtual) da taxa de câmbio, com a economia soçobrando em meio a importações
crescentes e rombos igualmente em elevação na área externa, o País estava
praticamente quebrado. O socorro veio depois das eleições pelas mãos do Fundo
Monetário Internacional (FMI), num pacote de US$ 41,5 bilhões a valores da
época. O Produto Interno Bruto (PIB), aquela conta que soma todas as riquezas
produzidas pelo País em um determinado período, registrou variação de apenas
0,3% em 1998, saindo de um crescimento de 3,4% no ano anterior e demonstrando
uma desaceleração cavalar, influenciada, entre outros fatores, por um recuo de
0,7% no consumo das famílias e perda de 0,2% no investimento.

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Hoje,
a economia demonstra dificuldades imensas para retomar o crescimento de forma
mais intensa, mas não enfrenta crises na área externa. A inflação negativa de
setembro apenas reafirma o que tem sido dito neste espaço. A taxa inflacionária
muito abaixo do centro da meta (4,25% em 2019) é um sintoma claro, nítido,
gritante de que a atividade econômica não está reagindo ou reage com parcimônia
excessiva, quase três anos depois de encerrada a recessão. Basta observar o
comportamento dos preços livres, que recuaram 0,10% no mês passado, fazendo
cair a variação acumulada em 12 meses de 3,7% na medição de agosto para 2,9% no
mês seguinte.

Não é só isso

Antes
que algum doidivanas entenda errado, é evidente que uma inflação baixa não pode
ser vista como algo negativo. O que os dados mostram, no entanto, é que a
economia poderia estar crescendo mais, gerando mais empregos e reduzindo o
número de desempregos de forma mais acelerada, sem que isso viesse a
representar uma ameaça à estabilidade dos preços e muito menos na área externa,
diante de reservas internacionais de US$ 376,4 bilhões.
Além do controle da inflação, a política econômica deveria perseguir também e
principalmente a geração de condições para que a economia pudesse crescer sem
desequilíbrios gritantes e produzir empregos de qualidade.

Balanço

·  
Ao
invés disso, ministros e economistas mais “influenciados” pelos mercados têm se
especializado na produção de fantasias, que coloca o “pote de ouro” do
crescimento sempre ao final do arco-íris das reformas. Primeiro, a economia
voltaria a crescer e a gerar empregos se fosse aprovada a reforma trabalhista.

·  
Ela
veio, com simplificação de um lado e anulação de direitos e garantias para os
trabalhadores de outro. Mas o crescimento e os empregos não vieram.

·  
Em
seguida, apostou-se na aprovação da reforma da Previdência como a próxima “bala
de prata”, aquela que faria o ajuste dos desequilíbrios nas contas públicas e
ainda estimularia as empresas a retomar investimentos, destravando o
crescimento. Com a reforma praticamente aprovada pelo Congresso, o discurso
passou a ser outro.

·  
Sim,
a reforma será importante, mas apenas no longo prazo. Por enquanto, o
crescimento só virá se for feita a reforma tributária (na verdade, um arremedo
de reforma, que não mexe na regressividade do sistema de impostos, taxas e
contribuições, preservando a concentração de sua cobrança sobre o consumo).
Mesmo se aprovada, os ricos continuarão pagando menos impostos do que os
pobres, proporcionalmente.

·  
No
mundo real, com a demanda enfraquecida, os preços dos eletrodomésticos e de
outros utensílios domésticos sofreram baixa de 2,26% em setembro, segundo a
pesquisa feita pelo IBGE para calcular a inflação. Televisores, aparelhos de
som, computadores e outros equipamentos de informática ficaram 0,9% mais
baratos.

·  
Os
serviços, que foram o “grande vilão” dos índices inflacionários no começo da
segunda metade desta década, anotaram variação de apenas 0,04% em setembro,
recuando levemente frente ao índice de 0,07% captado em agosto. Um
comportamento explicado, em parte, porque o custo da alimentação fora de casa
desacelerou sensivelmente, saindo de uma alta de 0,53% em agosto para apenas
0,04% em setembro.

Ainda em setembro, em torno de 47,3% dos
produtos e serviços pesquisados pelo instituto registram alta de preço, diante
de 62,1% no mesmo mês de 2018.