Coluna

Mais pobres ampliam dependência de doação e produção própria para assegurar a renda

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 16 de outubro de 2019

A
participação de doações, da produção própria e de trocas de bens e produtos no
rendimento total das famílias com renda de até dois salários mínimos (R$ 1.908
a valores de 2018) avançou de 20,6% para 27,5% no intervalo entre as edições de
2007/2008 e 2017/2018 da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). Os números,
divulgados no início do mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), mostram uma perda relativa de importância dos rendimentos
do trabalho na renda total daquelas famílias, com sua fatia sendo reduzida de
54,9% para 46,8%.

Em
parte por efeito da crise que atingiu em cheio o mercado de trabalho e fez
disparar o desemprego, essa redução proporcional deixou as famílias com
rendimentos de até dois salários mais dependentes de programas sociais de
transferências de renda (que incluem programas sociais dos governos,
aposentadorias e pensões, entre outras formas de transferência) e do que o IBGE
classifica como “rendimentos não monetários” – ou seja, toda e qualquer forma
de renda assegurada por trocas (de serviços e produtos), doações (nem sempre em
dinheiro vivo) e a produção (geralmente de alimentos) para o próprio sustento.

A
mudança pressupõe um aumento na insegurança física e emocional daquelas
famílias, diante das incertezas trazidas pelos novos formatos de rendimento
definidos em boa parte pela crise recente, além de um empobrecimento relativo,
levando consequentemente a uma menor propensão a assumir riscos e compromissos
com despesas adicionais. Um temor certamente agravado pela dificuldade de
retornar ao mercado de trabalho e pelo desemprego ainda acima dos números
observados antes da crise.

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O lado mais positivo

O
dado positivo na comparação entre as duas mais recentes edições da POF está no
aumento nominal mais vigoroso no rendimento total das famílias com renda de até
dois salários mínimos. Na média geral, o rendimento médio de todas as famílias
goianas aumentou 121,5% entre aqueles dois períodos, saindo de R$ 2.485 para R$
5.503,99. A variação, que não desconta o efeito da inflação sobre a renda, foi
mais intensa entre as famílias com ganhos mensais de até dois salários mínimos.
Neste caso, o rendimento médio por família avançou de R$ 567,34 para R$ 1.332,87,
num avanço de 134,9%. Para as famílias com rendimento médio acima de 25
salários mínimos (mais de R$ 23.850), a renda média avançou 81,5% (de R$
21.940,41 para R$ 39.823,24 por mês). O desempenho mais recente da economia
sugere que essa diferença entre as duas classes de renda familiar deve ter sido
construída durante os anos de bonança na economia, quando os indicadores de
emprego e renda foram mais favoráveis.

Balanço

·  
A
contribuição dos rendimentos não monetários parece ter sido mais decisiva para
a variação mais intensa no rendimento médio das famílias de mais baixa renda. Na
média, sempre de acordo com os dados da POF, a renda atribuída a doações e à
produção para o próprio consumo saltou 216% em uma década, saindo de R$ 116,89
para R$ 367,11 ao mês.

·  
Para
comparação, o rendimento médio do trabalho, ainda entre famílias com ganhos
mensais de até dois salários mínimos, anotou incremento de 100,2% ao avançar de
R$ 311,50 para R$ 623,72.

·  
No
lado mais rico, reunindo 45.104 famílias, os rendimentos assegurados pela
“variação patrimonial” (venda de imóveis, heranças, ganhos com aplicações
financeiras) quase três vezes, subindo de R$ 2.962 para R$ 8.766, num aumento
de 196%. Sua participação na renda total dessas famílias cresceu de 13,5% para
22,0%.

·  
Os
rendimentos do trabalho cresceram mais modestamente, apresentando variação de
84% (de R$ 13.887 para R$ 25.555, em valores arredondados). Sua participação no
total igualmente cresceu de 63,3% para 78,0%.

·  
Entre
as famílias com rendimentos de até dois salários, a participação somada das
transferências de renda e de rendimentos não monetários superou a metade da
renda total média, subindo de 44,7% para 50,7%. Para as famílias de renda mais
alta, considerando as mesmas fontes, a participação caiu de 20,7% para 11,5% –
especialmente porque as aposentadorias e pensões perderam importância relativa,
saindo de 15,6% para 5,3%.

·  
Embora
a renda média dos menos favorecidos tenha apresentado maior variação no
intervalo analisado, a má distribuição dos rendimentos continua sendo uma
chaga. No período 2017/2018, 18,1% das famílias goianas tinham rendimento de
até dois salários mínimos e receberam apenas 4,4% da renda total. Na pesquisa
anterior, as famílias de baixa renda respondiam por 22,7% do total de famílias
e tiveram 5,2% dos rendimentos totais.

Na edição de
2007/2008, a pesquisa mostrou que 2,2% das famílias tinham rendimento médio
acima de 25 salários mínimos, mas abocanhavam 19,4% da renda total. Uma década
depois, apenas 1,92% das famílias passaram a receber 13,9% da renda.